domingo, 31 de maio de 2009

Vida mansa, ciência e código de boleiros

Por Giulio Calábria

Depois da derrota contra o Inter, na primeira rodada, arrisquei um comentário sobre o novo código de vida mansa dos boleiros, sustentado por pseudo-teorias do fisiologismo.

A justificativa vigente é: "antes os atletas corriam cerca de oito quilômetros por jogo; hoje, correm quinze".

Semana passada, estava na Argentina e assisti a uma entrevista com o Fernando Signorini, preparador físico da seleção deles.

Ele repetiu a história de que jogadores podem morrer na altitude de La Paz, seu assunto preferido.

Depois, perguntaram a ele sobre a história de poupar atletas e repetiram esse chavão do 7km x 15 km.

Foi bom vê-lo dizendo que jornalista normalmente não entende de estatísticas. Não entende, especialmente, de recorte estatístico.

Os tais 7 km se referem à média de alguns jogadores, em um ou outro campeonato dos anos 60 e 70, aferidos por pesquisadores ingleses.

O tais 15 km dizem respeito a um ou outro jogador, em um ou outro campeonato europeu, em tempos atuais.

Ouvir isso me deu um alívio, pois eu jurava que Biro-Biro percorria em campo um trajeto muito maior do que Lulinha ou Souza.

E também não tenho dúvida de que o Ronaldo atual não corre nem os tais 7 km.

Daí, lembrei do futebol da Holanda, em que os tais 7 km eram facilmente superados por gente como Krol e Neskens.

E recordei um artigo de Tostão, em que ele diz que é a bola que tem de correr, e não o atleta.

Segundo ele, o jogador mais veloz não é necessariamente o que corre mais, mas aquele que faz a bola se deslocar de A para B no menor tempo possível.

Poupar? Sim, se o atleta está enfermo ou contundido. Mas fica difícil acreditar que um time inteiro seja incapaz de jogar duas vezes por semana, mesmo com todo o avanço da
preparação física e do mercado dos complementos químico-alimentares.

Quem conheceu Gustavo Nery e Roger sabe que, neste caso, conta mais o código dos boleiros.

Aplicada a fórmula vida mansa, peões de obra trabalhariam apenas um dia por semana.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Carta: não à elitização da platéia corinthiana


***
Srs. Andrés Sanchez e Luís Paulo Rosenberg,

É com perplexidade que a Fiel recebe a notícia de que, mais uma vez, ocorreu abusiva majoração no preço dos ingressos para jogos do SCCP.

Em várias ocasiões, temos elogiado vossas iniciativas, mas agora cabe também a justa crítica.

Como os senhores bem sabem, tratamos do Corinthians, instituição
muito maior que qualquer organização com fins lucrativos.

Por isso, não se aplica aqui a tal lei da "oferta e da procura".

A regra que deveria imperar nesse caso seria aquela do respeito ao
corinthiano, seja ele do estrato A, B, C, D ou E.

O que se vê de vossa parte é uma radical política de elitização do
público do futebol.

Garantem-se alguns ingressos "baratos", parte deles para os
organizados, e afasta-se larga parcela da classe média, a que
normalmente ocupava as numeradas e o setor laranja.

Atentem: NADA neste país teve, neste ano, aumentos tão abusivos
quantos as entradas para os jogos do SCCP.

Em Novembro, o setor especial laranja, por exemplo, custava R$ 40.
Passou a R$ 70. Agora, chega a R$ 100.

Aumento de 150%. O que no Brasil teve esse acréscimo? Nada!

Sem contar que entre março de 2.008 e março deste ano, o
rendimento médio real da população (IBGE) não superou 5%.

Vossa atitude não deixa de ser uma rasteira também em quem aderiu
ao Fiel Torcedor, pois o "desconto" tem sido comido pelos aumentos
abusivos.

No setor laranja, por exemplo, para ver dois jogos por mês, um pai e dois filhos gastariam R$ 360, mais R$ 52,5 da parcela mensal da anuidade.

Total de R$ 412,50. Some-se a isso transporte, estacionamento e
alimentação e o valor ultrapassa R$ 500.

Os "negociantes" vão dizer que sempre haverá quem pague esses
valores. Pode ser verdade.

Mas será que vossa estratificação segregacionista manterá a
diversidade da Fiel no estádio?

Não!

Sim, fortaleçam nosso caixa. É preciso.

Mas tenham um pingo de consideração com a diversidade e o direito
sagrado do torcedor corinthiano.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Os irresponsáveis e a bola excitada


Nem sempre quem vive de passado é museu, como se diz por aí.

Olhar o passado evita que se repita o erro. Serve igualmente para
que se preserve a boa fórmula.

O futebol brasileiro diferenciou-se do europeu por conta da ginga,
da improvisação e da irresponsabilidade características do nosso
"ethos" mestiço, ainda mais cultural que genético.

Tudo mundo já ouviu a frase que a Agência Talent produziu para a
Semp Toshiba: "os nossos japoneses são melhores".

Esse mote não surgiu do nada, mas da percepção das virtudes
transculturais de nosso povo.

E os nossos espanhóis, gregos, italianos, portugueses, húngaros,
lituanos, armênios, sírios, libaneses, alemães e coreanos costumam
ser melhores, tropicalmente mais lúdicos.

Esse "melhor" não envolve menosprezo a ninguém. Mas a ideia de
que os talentos de cada povo são aqui enriquecidos pelo cruzamento
de costumes e conhecimentos.

A Itália, por exemplo, veio buscar aqui seu "ragazzo reciclado", o
corinthiano Anfilógino Guarisi, para figurar na Lazio e também
na Azzurra campeã em 1.934.

E foi esse o primeiro brasileiro a conquistar um mundial de seleções.

E os híbridos brasileiros continuaram batendo um bolão, como o mulato Domingos da Guia e meio índio Garrincha,dois "virtuoses" que também tivemos a honra de abrigar.

Todos inventores... Todos capazes de erotizar o jogo, de seduzir a feminina bola.

O próprio Rivellino admite que seu "drible elástico" foi inventado nas categorias de base do Timão pelo nipo-brasileiro Sérgio Echigo.

De Luizinho, o doido que fez o argentino palmeirense Luís Villa cair sentado, a Edílson, das embaixadinhas e do drible antológico em Karembeu, tivemos o melhor do libidinoso futebol brasileiro.

Depois, cismamos de imitar os europeus cintura de aço, e enfeiamos nosso futebol. Abdicamos até mesmo do drible. Pois também é típico do brasileiro copiar o que é pior (e mais chato) dos gringos.

Até que, numa noite de maio de 2.009, vemos a bola que, de letra, Ronaldo rola entre as canetas do atleticano rubronegro,numa jogada que resulta em duplo pênalti.

Aí, assalta o coração um calor de esperança. Quem sabe ainda restem alguns "irresponsáveis" capazes de malabarizar a redonda?

Pois é bom vê-la excitada. Louca por interações, ela sabe retribuir carinhos e participar da boa brincadeira.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Tabus somente para quem precisa...


Há quem se impressione com tabus, e os mantenha. O suíço Jung
dizia que os tabus são guardados no inconsciente, como uma
forma de justificativa para o fracasso previsto, aquele resultante
do medo.

É o caso do sujeito que jamais consegue terminar uma obra, seja
ela na vida pessoal ou profissional, e logo atribui o problema à
energia da maldição.

No futebol, é assim também.

Como o "verbo" tem poder, para o bem e para o mal, os homens
guardam a palavra no inconsciente e dela acabam escravos.

Afirma-se que o Botafogo treme contra o Flamengo em finais. E
lá vão os alvinegros cariocas, inconscientemente abalados,
cumprir a sina, comprovar o tabu.

Ocorreu conosco, quando nos meteram no inconsciente a
frase "não serás campeão". E obedemos o mais cruel dos
oráculos por 22 anos longos.

Não por acaso, a palavra tabu invoca o sobrenatural. Está
ligada à proibição de natureza ritual ou religiosa.

Ou seja, quando se cria o tabu, sugere-se que é norma que
não pode ser violada, sob pena de punição.

Não é à toa que os grandes tabus, para além do universo
do futebol, encontram-se na mundo da sexualidade.

É o interdito, o prazer proibido, negado.

Quebrar tabus é, portanto, um ato de valentia e de superação
humana.

Foi o que se viu no Pacaembu na tarde luminosa e mágica de
3 de maio.

Quebrou-se o resistente tabu do Paulo Machado de Carvalho,
onde não vencíamos um campeonato de 1.955, decisão do
Paulistão do ano anterior.

Quebrou-se outro, que persistia desde 1.938, e fomos
campeões invictos novamente. Aliás, desde 1.972, todos os
paulistas são vítimas desse tabu.

Vencemos o Santos numa final de Paulistão, evento do qual
talvez nem nossos avós se lembrem.

Porém, mais encantador ainda, foi a quebra dos tabus pessoais,
aqueles vinculados a Ronaldo...

Aliás, promotor e delegado deixaram de prestar atenção a
suas funções para saírem em defesa do tabu simbólico. Foram
doidos para cima do atleta Cristian, cujo "delito" foi
cruzar os braços e apontar para cima os dedos médios.

E o mesmo Ronaldo pulverizou esse tabu, erguendo os dedos
indicadores após marcar contra o São Paulo, no Morumbi.

E até nas arquibancadas. Do nosso lado, uma moça de menos de
1,50 m, delicada, fora assistir ao jogo sozinha...

Sim, sozinha, ou ela e Deus...

Quer quebra de tabu mais bonita que essa?

Tobogã em dia de final



Alguns segundos de fantástica e pura emoção.

sábado, 2 de maio de 2009

O novo sol raiando... E é corinthiano...

*** Uma homenagem ao time dos mil povos, no momento da redenção..

Blog de Narrações


Criado o blog Narrações Corinthians do amigo Gabriel SCCP. Ótima idéia, excelente trabalho de referência para nós todos.

Quem quiser colaborar, passe links de bons jogos e comentários para esse nosso amigo.

Parabéns pela iniciativa!

sexta-feira, 1 de maio de 2009

O pior dos crimes: a palavra incinerada...


O ser humano é capaz das maiores atrocidades contra seus semelhantes. Mesmo sem ter fome, mesmo sem estar ameaçado, é capaz de prender, torturar e matar aquele que enxerga como competidor. A luta pelo poder, a inveja e o interesse econômico normalmente são causas desse tipo de atitude violenta.

Esses crimes contra a vida, entretanto, cessam normalmente um processo metabólico. De alguma forma, interrompem a homeostase.

Foi o que Hitler fez com judeus, homossexuais, ciganos e deficientes físicos. Trabalhou para cessar processos físicos autônomos e apagou consciências individuais.

Há, no entanto, um delito que produz um efeito de longo prazo, no devir, no processo histórico. Trata-se da tentativa de apagar a história ou deturpá-la, introduzindo a falsidade no inconsciente coletivo.

O nazismo foi mais cruel ao induzir o povo alemão a acreditar que a pobreza e os problemas econômicos nacionais tinham origem nos pequenos banqueiros judeus e, por extensão, na existência de todos os outros judeus.

Assim como a Ditadura Militar brasileira (1.964 - 1.985) criou o mito de que os problemas nacionais eram gerados pela tal atividade "subversiva". Ou seja, se algo não andava bem, era culpa da professorinha "comunista" ou do operário educado na cultura soviética.

Por conta dessa farsa, procuravam justificavar prisões, torturas e assassinatos. Afinal, a história estava apagada. As pessoas de bem não dispunham de acesso aos fatos verdadeiros.

Apagar a história não é costume somente dos assassinos de direita. Regimes tidos como de esquerda também recorreram ao expediente. É o caso das fotos de líderes revolucionários da antiga URSS. Com o tempo, Stálin mandava que se apagassem delas aqueles tidos como traidores do regime.

No Camboja, o Khmer Vermelho (que se acreditava comunista) tinha por prática executar pessoas simplesmente pelo fato de saberem escrever. Não desejava, pois, que a história fosse mantida ou narrada. Naquelas pilhas de caveiras, muitas haviam contido simplesmente um cérebro pensante. Fora o pecado das vítimas.


Vladimir Herzog, jornalista e professor assassinado pela Ditadura.

A história resistente do Corinthians

Às vésperas do centenário do clube, existe um movimento sutil destinado a apagar certos trechos da história do clube ou igualá-la à de outras agremiações.

Mas por quê?

Ora, a história do clube do povo, dos outsiders, é um exemplo vivo de insurreição civilizada, de coragem desafiadora, de inclusão, de iniciativa libertária, de luta pela igualdade e de valorização da diversidade.

Tudo isso incomoda demais. Nosso "ethos" agride principalmente os ditos corinthianos abrigados no lado sombrio da força. E o Centenário os assusta, pois tende a reafirmar valores solidários e desvelar segredos dessa saga popular.

Em plena era da virtualidade, as forças conservadoras (ou simplesmente bandidas) tentam de todas as formas sabotar a verdade e manter as versões fantasiosas e folclóricas dos fatos esportivos. É o caso da biografia do primeiro presidente, o ítalo-brasileiro Miguel Bataglia, que a "história oficial" tenta mostrar apenas como alfaiate, escondendo seu formação anarquista na Light.

Aliás, estupidamente se esquecem de que esse ethos é também agregador. Pois o Corinthians superou o nicho de classe e cresceu também em torno de valores. Não é à toa que existam empresários, intelectuais, cientistas e religiosos de destaque nas fileiras alvinegras.

Com cerca de 1,2 milhão de membros, a maior comunidade do Corinthians na Internet, sediada no Orkut, acaba de excluir vários dos membros que narravam ou discutiam a verdadeira história do time do povo.

Além disso, mais de 100 tópicos elucidativos foram sumariamente apagados. Nesse caso, não se trata de edição, mas de "queima" de arquivos históricos. Afinal, deseja-se agora uma comunidade boa apenas para se fazer negócios, para servir de base para a baixa politicagem e para a propaganda de midiotas bem patrocinados.

A história, felizmente, tem uma capacidade de regeneração espetacular. Não importa o tempo transcorrido, há sempre uma alma de caráter RESISTENTE que se doa pela memória dos sem-voz. Nos 100 anos de Corinthians, muitos mortos falarão, e darão petelecos nas orelhas dos falsos cabeludos fanfarrões do Século XXI.